Débora Pereira Paiva*
Outubro, 2021
Desde 2001, alguns dos maiores reservatórios do Brasil vêm apresentando o seu volume útil abaixo do percentual de segurança de 50% em vários anos, não houve investimentos suficientes em outros tipos de energias renováveis, que não as hidrelétricas, principalmente no que tange ao armazenamento, já que algumas destas alternativas são intermitentes, sazonais e há falta de investimentos em transmissão de energia entre estados. O Brasil sofre temor de apagão e racionamento, quem são os culpados? Qual seria a solução? Começaremos a falar sobre o estado do Paraná, estado da nossa universidade, UFPR, onde o racionamento e as secas já vêm desde o primeiro trimestre de 2020.
Na Bacia do Iguaçu, a estiagem é sentida. Segundo a Companhia Paranaense de Energia(Copel), nos dias 9 e 10 de junho de 2021, a vazão das Cataratas do Iguaçu foi de 308 mil litros de água por segundo, um quinto da vazão considerada normal, que é de 1,5 milhão de litros por segundo. Os sistemas de abastecimento de água da Sanepar não têm captação no Rio Iguaçu, mas os números confirmam o impacto da crise hídrica. Especialista em secas, o professor Pedro Augusto Breda Fontão, docente do Departamento de Geografia do Setor de Ciências da Terra e coordenador do Laboratório de Climatologia (Laboclima) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), conta que “Havia relatos há cerca de duas décadas, sugerindo a construção de novos reservatórios e sistemas de abastecimento, além de aprimorar a eficiência hídrica da capital.”
A Sanepar não divulga os números atuais de produção total de água, mas calcula-se que o sistema produza, neste momento, abaixo de 10 mil litros por segundo. Insuficiente para abastecer os cerca de 3,2 milhões de habitantes das 11 cidades que compõem o chamado Abastecimento Integrado de Curitiba.
De 2011 a 2019, o lucro líquido da empresa aumentou quase 700%, e a distribuição de dividendos a acionistas cresceu cerca de 780%. Já o crescimento dos investimentos na melhoria e ampliação foi de 150% no mesmo período, segundo números levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR), o mesmo aponta em um relatório que 94% da receita da Sanepar veio principalmente do aumento da tarifa, cobrado dos consumidores.
Desde março de 2020, Curitiba e região metropolitana vem passando por um rodízio, no início, de 36 horas com água e 36 horas sem abastecimento; quando a média geral dos reservatórios da região estava em 27,96% da capacidade. Dia 15/03/2021 a Sanepar iniciou um novo modelo de rodízio de abastecimento de água em Curitiba e Região Metropolitana. São 60 horas de fornecimento e 36 horas com suspensão.
Quem paga a “conta” é a população mais carente
Um levantamento feito pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), em 2014 mostrou que a cada cinco casas paranaenses uma não tem caixa d’água. Entre a população com faixa de renda mensal abaixo de R$1,3 mil, a falta do reservatório domiciliar é ainda mais comum e foi observada em 30% das casas.
Crise hídrica e privatização do saneamento básico
Estamos diante de uma das maiores crises hídricas de nossa história e diante disto, passamos por privatizações como a do saneamento básico, como aponta o geógrafo e professor da USP Wagner Ribeiro: “Estamos diante de uma situação muito preocupante porque o mundo caminha na direção contrária à nossa. Depois de 20, 30 anos de privatizações, mostrou- se claramente que a água diminui de qualidade, não há garantia de abastecimento à médio e longo prazo.”
Segundo estudo realizado pelo Instituto Transnacional (TNI), sediado na Holanda, 884 municípios de países dos 5 Continentes reestatizaram seus serviços, sendo 287 na área de saneamento, entre o ano de 2000 e 2017. Professor, geógrafo e técnico agropecuário, Milton Pomar analisa que “se não há investimentos na captação, no tratamento e na distribuição, haverá sempre isso, esse estresse permanente das pessoas ficando sob o racionamento de água em uma cidade rica”. De acordo com o assessor de saneamento da FNU, Edson Aparecido da Silva a população mais pobre é a primeira a sofrer os impactos da privatização.
“Um dos pontos principais é o aumento significativo das tarifas, mas haverá a exclusão do acesso ao serviço, sobretudo da população mais pobre nas periferias e da população de pequenos municípios do país. Com o processo de privatização a tendência é o interesse pelo controle do saneamento somente nos municípios mais rentáveis. Os chamados “deficitários” – os municípios menores e mais pobres – ficariam sob a responsabilidade do Estado ou dos próprios municípios.”
Os serviços de saneamento que foram privatizados no Brasil são ineficientes, custam mais caro e são seletivos na hora de atender a população, conforme revelou a pesquisa “Quem são os proprietários do saneamento no país?”, divulgada em dezembro de 2017, e que repercutiu no Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) 2018, no mês de março (Radis 188). Realizada pelo Instituto Mais Democracia, a pesquisa revelou que o mercado é concentrado, dominado por grupos financeiros e com multinacionais sendo atraídas pela rentabilidade que o segmento pode trazer para seus cofres.
“A financeirização do setor de saneamento já é realidade no Brasil. Os fundos de investimento estão ligados a 15 dos 26 grupos que controlam os contratos.” No Brasil, a renda mensal de domicílios de quase 70% da população que não têm acesso ao abastecimento de água é de até meio salário mínimo por morador (média nacional de R$ 477), segundo dados do Plano Nacional de Saneamento (Plansab). Para a professora Ana Lúcia Brito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa é mais uma evidência da grande desigualdade no acesso ao saneamento no Brasil. Ela sinalizou que o déficit em saneamento não será zerado pelo investimento privado. “Todos os países que universalizaram o saneamento tiveram massivos investimentos públicos”
E a Eletrobras?
A estatal é a maior e mais lucrativa empresa do setor na América Latina, responsável por 30% da energia gerada no Brasil. Para a estatização haverá a obrigatoriedade de compra de 8 GW de energia de termelétricas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e também no Triângulo Mineiro. Aumentou o custo. Houve também a extensão do subsídio às termelétricas a carvão de 2027 para 2035. De acordo com o colunista Reinaldo Azevedo, as 45 associações ligadas à indústria, reunidas no grupo União pela Energia, já haviam estimado em R$ 41 bilhões o custo das mudanças feitas na Câmara. Com as acrescidas pelo Senado, o cálculo vai a R$ 56 bilhões. Com impostos e benefícios setoriais, chega-se aos R$ 84 bilhões e quem vai pagar a conta é o consumidor.
“Estamos nos níveis (de abastecimento) mais baixos das últimas décadas, e vamos ter que fazer uma opção para o país não crescer. Porque se crescer não vai ter energia para tocar as indústrias e o comércio. E sem contar o tarifaço (com a privatização). Estamos caminhando de volta para a época da lamparina”, avaliou o presidente do Sinergia CUT, Carlos Alberto Alves. Segundo ele, a Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de
toda a água armazenada no Brasil, 70% dessa água são utilizadas na irrigação
da agricultura. “Imagine tudo isso em mãos de uma empresa privada que só se interessa
pelo lucro”, alertou o engenheiro, ressaltando que os aumentos de preços serão em cadeia: “Lógico que o preço vai subir para a agricultura e será repassado para a população que vai pagar mais caro pelos alimentos que coloca à mesa”.
A análise do Sindicato dos Energéticos é que a MP redigida “não tem nenhum compromisso com o país”, e pode repetir o apagão no Amapá. O estado que, dois meses após 20 dias sem energia no ano passado, voltou a ficar sem luz em janeiro de 2021. O fornecimento é operado pela empresa privada Gemini Energy, que ganhou concessão pública para distribuir a energia na região. A companhia responsável, no entanto, deixou de operar na manutenção, o que provocou o incêndio em uma subestação em novembro de 2020. A energia só pôde de fato ser retomada com ajuda pública. Segundo Alves, “deixar a matriz energética brasileira nas mãos de empresas privadas é acabar com os níveis de regularidade do fornecimento e não tratar a energia como um bem público. Essas empresas tratam da energia como uma commodity”, adverte.
Já a MP1055, da crise hídrica, tira poderes da Agência Nacional de Águas (ANA) e do IBAMA, na gestão dos reservatórios de usinas hidrelétricas. Para o ex-diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, que esteve no cargo de 2010 a 2018, a MP do racionamento como vem sendo chamada, é na verdade uma tentativa de esconder que o governo é o único responsável pelo risco energético que no país está ocorrendo. Ele denuncia que os reservatórios da bacia do Rio Paraná foram esvaziados de setembro de 2020 a março de 2021, de maneira imprudente. Então com tudo isto, corremos não só o risco de apagão mas também de encarecimento de tarifas, serviços ineficientes, falta de abastecimento de água e mais desigualdade social, os pobres sempre sofrem mais, para os ricos obterem seus grandes lucros, além de que a indústria, a fauna, a flora e a agricultura também serão prejudicadas. A pergunta que fica é: temos bons gestores? Privatizar é a melhor saída? Quem paga o pato?
NOTAS
*Aluna de graduação em Economia na UFPR e estudante bolsista do PET Economia UFPR.
REFERÊNCIAS
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Tags: Crise hídrica, Economia Brasileira